24 dezembro 2009

Only


Ele olha no espelho,
olha mas não vê seu reflexo.
Vislumbra tão somente cicatrizes d'alma.
Reflete medo e solidão
A solidão dos que buscam,
dos que ousam,
dos que à desobediência se atrevem .
.
E em se atrevendo ele machuca
a quem dele se aproxima,
não se faz compreender em seus afãs,
em seus atos,
em seus gritos surdos,
Sua face é silenciosa,
mas seu peito turbilhão.
.
o espelho é escuro e frio,
como noite de nevasca,
ele vem de longe,
das terras dos mouros,
atravessou os mares,
com seu lume vermelho transparente
no auge de sua cabeça.
.
Muitos o procuraram,
mas ele habilmente escapou
de suas mãos cobiçosas,
de vossos corações envelhecidos
e afogados em ódio e ressentimentos.
.
Ele olha o espelho,
frio e escuro,
e só vê solidão.
Seu reflexo não mais está lá.
Ele nada entende
e nada vê
além de solidão.
Mas sua busca persiste,
pois só assim ele justifica
sua continuidade.
Eder
.
Nestas noites quentes de verão, Ôbèron caminha para dentro do Mausoléu, onde é escuro e frio. Ele, animal felino das neves, das montanhas escarpadas, não tolera o calor. Perde o humor, a sociablilidade, a razão.
Nestas noites quentes não se aproxime dele. A menos que tenha uma garrafa de cerveja bem gelada em mãos, ou quem sabe um drink generosamente carregado de pedras de gelo.
Nestas noites quentes e carregadas de cumprimentos hipócritas natalinos ele se faz não-domesticado, e essas pessoas que andam indiferentes o ano inteiro, incautas que são, irão até o Mausoléu para tentarem oferecerem um abraço falsificado, um comprimento fabricado, retirado dos comerciais natalinos da Sadia.
Incautos que são. Não sairão do Mausoléu sem que suas costas sejam devidamente retalhadas em postas pelas garras do animal das neves.

Toque para mim, Sam: Diamanda Gallas - Gloomy Sunday

13 dezembro 2009

Rubio - Parte I - Moderato

Tem acontecimentos distintos e distantes que inacreditavelmente têm uma ligação invisível, trançando uma sutil teia de aranha e que até o último ato não nos apercebemos de tal entrelace, tal conjuminação...
(Ôbèron / out 2005)

Rubio
Parte I - Moderato

Continua Chovendo por aqui.
Já são três dias de águas em Sampa,
para um gato de rua como eu tempos assim não são nada fáceis.
Frio, chuva, medo e fome. Sinto saudades daqueles tempos.
Bons tempos.
Tempos de carinho e calor.
.
Em dias molhados como esse nem minhas felinas eu encontro nos telhados.
que os Deuses da chuva se recolham para seu retiro. Façam a Roda do Ano girar,
cadê o respeitos às estações?
.
Está tocando na casa em frente uma melodia que meu amigo humano
gostava, acho que ele falava algo como I Pagliaccio,
sempre ouvia comigo no colo,
ele tinha gostos apurados.
Sim, eram tempos bons.
Onde está você, meu caro, pr'onde foste?
Alías, como EU vim parar aqui?
foi tudo tão rápido.
.
Tudo era tão bom e tão seguro,
hoje é de beco em beco,
buraco em buraco,
vivendo de restos.
Sobrevivendo,
subvivendo.

Agora toca Ridi, Pagliaccio,
era a parte que ele mais gostava,
será que ele está lá? será que dentro da sala
daquela casa se encontra meu reencontro mais esperado?
não custa! são somente uma bela corrida,
alguns pulos e esgueirões,
meu pêlo vai encharcar de novo, mas valeria a pena,
se esta etérea ilusão se revelasse concreta realidade...
.
Mas e aqueles humanos jovens que ainda a pouco
queria me machucar e ridicularizar? ainda tão perto estão,
será que conseguiria passar suficientemente rápido?
como um corisco!
sim, como um corisco.
.
Veja, eu com o medo imperando de novo,
será que minha vida se reduzirá ao medo diário?
chorando como o Arlequim que agora trova
não tão longe?
mas meu amado humano pode estar a algumas
jardas desse meu trono de pavor, fome e feiura.
valeria a pena, cada risco, todos eles.
.
Continua.

Ouça: Ridi, Pagliaccio - R Allagna

04 dezembro 2009

Deep Songs


Hoje cantei uma daquelas músicas que fazem sentido só pra gente. Que só lembramos ou cantamos quando algo acontece que faz uma conexão exata e direta com o momento, que arranca lá de dentro um sentimento ou uma lembrança diferenciada, sabe?
Pois bem, cantei.
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Sabe, o contentamento e a felicidade deveria ter um endereço, tipo um pub, um bar, onde a gente entrasse lá, deixasse nossas dores e cicatrizes na chapelaria como se deixa um casaco e sentasse na cadeira, já mais leve, e pedisse um momento feliz como se pedisse um metropolitan. Não, não estou falando de entorpecentes.
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Sabe, eu não entendo, as pessoas falam para os outros e para si mesmos que buscam ser felizes que querem paz e amorosidade, mas o que se vê são pessoas se magoando, extraindo de si o de pior e mais contundente. Ferindo a vários e desferindo em muitos.
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Não precisava de muito para se mudar tudo a nossa volta. Se cada um contesse um pouquinho sua sanha de machucar para se sentir com algum poder e a vida coletiva seria outra, tão melhor. E isso se faria com tão poucas atitudes. Mas o que parece é que para tão pouco ato se precisa de tamanha força inteiror, como se todos estivessem presos e acorrentados aos seus sofrimentos pessoais, suas furiazinhas, seus não-me-toques, seus tesourinhos de dor que as fazem sentir vivas, pessoas diferenciadas (pela tristeza).
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Ontem eu fiquei um pouco olhando o céu na madrugada, (talvez na esperança inconsciente de ver uma bela estrela cadente em fazer um pedido especial) estava bonito, com nuvens nervosas, correndo ligeiras e se contorcendo no céu; encobrindo e revelando a lua a todo momento. Me encanta.
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Outra,
A gente tem que ficar quieto, não pode falar muito verdadeiramente com as pessoas, elas não estão preparadas para as palavras genuínas.
É, seu sei, assusta.
A gente tem de sempre tem de estar falando coisas que elas querem ouvir, de preferência de maneira bem soft e blasé, ficar dando tampinhas nas costas e dizendo "sim, é isso mesmo, fez bem" ou "concordo" ou ainda "se fosse eu, tinha feito igual" ou ainda quem sabe "nossa, que bonito isso que você fez" e etc.
A verdade dita, ainda quando normal e bela, assusta. São momentos bicudos estes, baby.
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Bem, meu caro, prepare os dedos, é mais uma coleção a escrever,
corre que o tempo é curto.
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Sam, toque outra vez: