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11 junho 2023

O Gato Condecorado

O Gato Condecorado



Daguerre era um gato indomável;
às vezes na tranquilidade chamava-o de Corcel Negro (se ao menos negro fosse...). Não era de ninguém, linda criatura de bigodes. Sim, estes eram grandes, nunca maiores bigodes vi. Quando cheguei naquela agência ele já perambulava pelos beirais, mas ninguém dara crédito ao mundano. Já no segundo dia de trabalho cheguei com dois potinhos e ração. Três dias depois o danado já reinava mesas, cadeiras e nichos naquela outrora comportada agência publicitária.


Gato safo, Daguerre era o tal.
Das noites chegava
com seu curto miau,
importância não dava
ao entrar no quintal
da agência burlava
o fechado beiral,
da janela se atirava.
Daguerre era o tal.

Seu nome vinha de Daguerre, um dos inventores da fotografia, naquele momento estava fissurado pelo assunto, e ele, todo em tons de branco, cinza e preto, parecia uma foto antiga. Foi o que bastou: Daguerre.
Descia pelo paredão, e entrava faceiro janela adentro. Dava um miado curto pra avisar que chegou, para colocar mais água no feijão. Era folgado, malandro, sem-vergonha mesmo. Caminhava pelas mesas, ninguém reclamava, ele era rei. Gato de ninguém, gato de todos. Atravessava a agência pelas mesas e estantes. E finalmente se refestelava no encosto da cadeira de visitas do Viegas. Que ninguém o incomodasse ali, pois dali só saía no final do expediente para pernaltar pelos telhados em busca de uma gata para namorar.


de preto e branco pintado,
com sol ou nublado
de frente ou de lado
chegava folgado;
silêncio ou num brado
alegre ou calado
recebia o chegado
gato condecorado.


Descobri à posteriori que gato sem dono não era, tinha cuidados e refinos, era companheiro do velho do prédio ao lado, velho pracinha que lutara na guerra na queda do Monte, e caminhava capenga no bairro com suas lembranças de fuzís e estalos das trincheiras, com sentimentos de pezar fraterno e glória patriótica. Dizem até que em momentos de delírio e amor paterno ao bichano, à ele dera sua medalha por honra e méritos de campanha.
Mas certo dia lá não voltou o arisco gato, passou dia, passou noite. Passou semana. Logo descobrimos o fim brutal.
Os desabrigados do Largo arrumaram um jeito de amenizar sua necessidade, selvageria bestial, vitimavam os gatos da região na calada da noite, na conivência da patrulha. Ficamos sem Daguerre. Muitos choraram. O Pracinha também; dizem, não sei ao certo, que não tardou foi-se também. Ganhou a guerra, a solidão o velho não venceu.


Não escapou o arisco,
é a fome do desabrigo,
tamanha calamidade.
o pobre virou petisco,
saciando o mendigo
na agrura da necessidade.



Em memória de Venceslau, o pracinha; e Daguerre, o gato condecorado.
Texto originalmente escrito  para o blog "Sobre Felinos"em 30 de Maio de 2006

28 maio 2023

Sopra o Vento como outrora

 Eu te senti hoje. Depois de tanto tempo vens se mostrando para mim pela noite, pelos caminhos. 


É inconfundível para mim a forma como assopra na madrugada, como mexe as árvores e as folhas no chão, para muitos dizer isso é insólito, mas é assim que é, eu te sinto e te vejo nas lufadas de vento na noite, sempre foi assim.


Escuto seu canto e seu sussurro; sinto seu aroma, seu perfume. Estás por perto, queres dizer algo, eu sei. Vou tentar escutar. Abrirei os ouvidas da alma para tornar inteligíveis os sinais.


Você me faz sentir-me Ôbèron novamente, este que se perdeu em algum ponto da trilha  escura que fiz caminho em minha vida, ele está lá, onde soltamos as mãos, aguardando, perdido como eu, nessa caminhada. Talvez, quem sabe, até nos reencontremos. Ele, indubitável, deve estar diferente; eu estou e porque raios ele não estaria. Mas quem sabe nos abracemos, talvez ele me estapeie, um tapa seco, com um misto de raiva e felicidade de reencontro.


As arvores estão balançando seus galhos, sim, você está chegando.


Eu não sei mais para que cardinal  está o Mausoléu. Foram muitas curvas, quedas, ribanceiras, montes escarpados, ladeiras e becos. O itinerário se foi. ... Mas quem sabe, e eu disse "quem sabe", você me aponte o caminho até ele.


Talvez não tenha mais a chave para entrar, mas com toda certeza será uma emoção vê-lo, ainda que de fora.


Mas, você está chegando, e tudo pode acontecer. Eu posso te sentir. 

Se fechar os olhos agora, é bem capaz de te ver.


Você me tira das conversas sem sentido e valor, das pessoas vazias, do vazio de propósitos, no mau-conselho, da detração (você me ensinou a não aplicar um minuto da minha vida com detratores), Você me traz a arte, a arte que eu permito que me salve todos os dias desse abismo cinza do coletivo humano. Você resgata minh'alma desse poço  de alcatrão que é a vaidade  e o ego, como um André Luís em meu umbral pessoal.


Quando conversávamos nas infindas madrugadas, meu filho ainda não estava nesse mundo (ou estava), ainda não era (não como agora, ao menos).


Ele também tem o talento, eu percebo. Que ele siga seu próprio caminho, que desvende como o seu talento se fará vivo em si. Será um privilégio assistir isso, se o Universo me conceder essa honraria.


Você está aqui.


Escuto Daniel Pemberton

11 julho 2013

se vivo

Ele, de fato, a ama muito,
mas sabe, agora, que ela o vê como a infelicidade de sua vida.
Ele a quer feliz, posto que a ama.
Se ele é a infelicidade de sua vida,
liberta-a da tristeza, pois,
ainda que para si o abismo isso seja.
A queda do abismo é longa, gélida e angustiante,
mas após a dor e o estrondo do baque no fundo, se vivo,
seguirá.

10 setembro 2012

Coisas que tiram-me de mim

Há certas coisas que deixam a gente desestimulado, mas daquele jeito a qual você se pergunta "que diabos está fazendo no mundo" e no que crê que está fazendo.
Uma delas cada vez que me lembro me questiono que raios eu estou a me matar para ser uma pessoa melhor e mais conhecedora da nossa língua-mater.
Sabes do que falo? não? É esse "tapa na cara" de o Sr douto Ronaldinho Gaúcho ter ganho a mais alta comenda da Academia Brasileira de Letras, a comenda Machado de Assis (?!?!?!?!?!), como assim? honraria estendida a quem muito faz por nossa língua e nossa cultura.
Não, vocês estão de brincadeira.... É por isso que "essa casa tá caindo".
Essas coisas mexem com o interior desse caboclo editor e redator.


Sei que não tem "nada acver" (como diria o sr Quevedo), mas hoje, pela madrugada, acordei lembrando dessa música (essa do link), dessa letra (Pas Sans Toi). Encontrei na voz da interprete Lara Fabian para postar aqui. Ficou bacaninha a versão, diga-se. Essa letra é muito especial para mim, me reporta um momento muito intenso da minha vida.

02 fevereiro 2011

Meu velho

Hoje faz um ano que tu iniciou uma nova existência, meu pai.
Grande amigo, companheiro e meu exemplo maior de integridade e sobriedade.
.
Tu que me apontaste as artes, me apresentaste à literatura,
me fez um homem digno e de caráter.
.
Hoje lhes faço minha reverência, através do trabalho e do
respeito às nossas convicções. A cada dia mais te vejo em mim.
Te mantenho vivo no meu respirar.
.
Meu querido velho,
algum dia nos reencontraremos nas bibliotecas do Universo.

04 outubro 2009

PR'ONDE?

PR'ONDE ANDAS, PROMETEU?

Onde seu caminhar macio marca a terra?
Teria sumido? fora roubado? Abduzido?
Seria fácil dizer somente que morreu.
Estaria a resposta no coração? que nunca erra.
Ou simplesmente partido, comigo aborrecido?
Por onde andas, caro Prometeu?


Enquanto olho as acácias no campo

lembro de seus cabritismo com as borboletas,
com aquele pardal e mais outro pirilampo.
Quantas arabescos e quantas piruetas,
com tantas palomas e muitos mosquitos,
que nos renderam divertidos momentos e tantos escritos.

Nestes dias necessito do por quê de sua partida.
E se queres mesmo que lhe diga,
tudo o que eu tinha, era meu e seu,
se é que tu não sabes.

Meu querido Prometeu,
hoje, de ti, senti saudades.

em homenagem a Prometeu, o gato negro.


Eder Araujo/O Colhedor