24 junho 2010

Essas coisas que trago

Sempre, numa avaliação apressada me consideraram gótico. Isso foi desde novinho, sempre tive um jeito que, para o apressado, pareceu, por falta de observação e até conhecimento, para o outro, que o fosse.


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Confesso, que até para mim, muitas vezes principalmente quando novo, pela insistência alheia, achei que tivesse esse espírito Gótico, ainda que de viés. Confesso também que curto muito a arquitetura gótica, a arte e tals. E de certa forma, ainda que numa estrada paralela, esse clima me encanta, e que muitos dos meus amigos foram ou são góticos.


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Mas, não, não sou. Nem nunca fui.

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Estou mais para um açoriano, um lusitado, com seu espírito melancólico sem infelicidade, de sofrimento não amargurado, de saudade de coisas não vividas, de olhares no mar agitado e águas frias. Espírito solitário e abissal.


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Não achemos que toda solitudine e melancolia é gótica, ou feia, ou triste, ou suicida. Não se apresse. Não se afobe.

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Para ouvir:



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E você vai para o corredor 7, prateleira 5, espaço B15.

Como é de praxe, a mente humana que é confusa e sem foco, busca fracionar o todo para buscar, em vão entendê-lo. Em vão pois, com não, é improvável compreender o todo dividindo o mesmo. compreendes algo da parte, mas se distancia da paisagem completa.
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E para assim, não é diferente com seus pares, as pessoas. A mente confusa, busca (inutilmente e levianamente) fatiar as pessoas para mais rapidamente entendê-la (como se possível isso fosse). Penso: se não conseguimos nos compreender e nos decifrar mesmo numa auto-análise de uma vida inteira, como podemos supor que podemos decifrar (e, ainda, classificar) o que está fora de nosotros.
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Frequentemente, fatiamos as pessoas por credo, partidarismo, time de futebol, estilo de vestir, profissão, raça, opção sexual, bonito ou feio, legal ou chato, inteligente ou burrinho, e por aí vai. Ninguém simplesmente é; ela faz parte de certa classe e assim é etiquetada, empratileirada e limitada a um conceito externo de uma pessoa ou grupo delas.
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Patético.
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23 junho 2010

Os pingos no meu rosto

Quando tinha nove anos deram-me
um violino de palmo e meio
e palmo e meio de emoções.
(Yehuda Amichai)

Um dia melancólico hoje aqui está, não sei, não me pergunte a razão, simplesmente está. Há um vazio, não em mim, mas nesta casa. Sentindo falta de coisas, coisas que nem sei o que.
Tenho trabalhado muito, viajado muito, rompendo muitos limites, quebrando meus mitos e medos, mas sem olhar para o lado, pois é hora de romper as amarras. Sim, mas isso tem seu custo. Como o velocista que quando, ao estouro do sinal, rompe o ar com toda a explosão de seus músculos, ele só vê a reta de chegada ao longe, para ele nada mais existe, tudo para, o giro da esfera, o cair das folhas, o rugir do mar, nada mais, somente seu corpo em extremo segue de encontro ao seu foco. E ele vai.

Mas isso tem seu custo.

Só os mortos não morrem
Só eles a mim me restam
São tranquilos e leais
Os que a morte não pode matar
Mais com seus punhais.

Ao declinar da estrada
No final do dia
Em silêncio se acercam,
Em sossego seguem minha via.
Verdadeiro pacto é o nosso
Nó que o tempo não desmente
Só aquilo que perdi
É meu eternamente.
Rahel (Bluwstein)
Estou olhando para os lados agora, nada mais. Está tudo tão silencioso, as folhas ainda não estão caindo, e a esfera ainda tarda.
Vivo em estradas paralelas, onde uma estou vencendo em dias de sol, em outras perco em dias de chuva, em algumas o murmurindo da multidão vibra o ar, numas o silêncio vibra meu ser.
Sou um e sou vários, com humores diferentes, satisfações diferentes. É interessante este meu momento. Ao mesmo tempo que sou foco, sou refração. Mas creio, é a tônica do mundo, do ser humano. sou só mais um.
Então, sou único, mas sou como qualquer um.
Procurei em livros e livros,
Um poema,
Um parágrafo,
Uma frase,
Que me resguardasse da mágoa, Como janela de vidro protegendo o rosto da chuva.
Mas nada do que leio chega para contar o que sinto.
( N.G.J. )

Por vezes me pergunto, estou fazendo a coisa certa?
Os dias dirão.

Sinto os primeiros pingos em meu rosto.

14 junho 2010

Eu quero, eu quero, eu quero!

Acho muito curioso as vontades das pessoas e como estas as dominam.
Como é patética a postura das pessoas diante da negação destas vontades. Como se transformam. Como se revelam.
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Todos querem que suas pequeninas vontades pequenas sejam realizadas e acatadas, e no caso contrário não conseguem desfarçar suas insatisfações, seus corações mimados e inseguros, fracos e umbigocêntricos.
Pessoas despreparadas que são para a vida e para o mundo. Crêem que são o centro das circunferências, sonham (pobres seres) que todos e tudo tem de funcionar de acordo com seus "eus".
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Se as coisas não são como desejam (e normalmente não são), se alguém não faz o que quer, se as circunstâncias não se apresentam de acordo com vossos crus anceios isso é o bastante para se tornarem (e retornarem a ser) bebês, batendo o pezinho no chão. Despreparadas para a vida. Nunca são felizes, sempre se acham mais preparadas, mais visionárias, mais responsáveis, mais dinâmicas, mais inteligentes, e pois como não, mais merecedoras.
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E com isso vão estendendo seu sofrimento, sua insatisfação com a vida. Mormente clamando aos Deuses por... .... ....justiça.


...Palavra perigosa de se clamar.

14 maio 2010

"Deixa a garôa cortante da madrugada de São Paulo cortar e molhar seu rosto. Deixa te levar para outra dimensão, te transportar, te transbordar." Foi o que ela ouviu ao fechar seus olhos e içar sua cabeça ao céu negro e nebuloso d'onde caia desconexas gotículas insanas e geladas, típicas daquela terra, num desejo desesperado e urgente de ouvir os Deuses, de transcender a paisagem óbvia e concreta avistada por seus globos oculares.
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Saudade dos velhos tempos, dos velhos amigos, distanciados pelo tempo e pelos acontecimentos, das velhas aventuras e desventuras, dos belos lugares, das juveníces de escola. Mas não uma saudade amargurada, uma nostalgia boa sim, gostosa, que traz felicidade, leveza, não angústia e frustração, lágrimas ácidas.
é muito, muito bom ter coisas boas para rememorar, saber que a vida está sendo vivida com intensidade e vivacidade. Certeza que de estar escrevendo a história no livro de sua vida com letras maiúsculas e bem traçadas.
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Rua Ramalhete

Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.

No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!

Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.

Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

Tavito e Ney Azambuja

Faça-nos ouvir: Rua Ramalhete - Tavito

11 abril 2010

Augùri

Ontem, noite fria e com garôa em Sampa, saí para comemorar meu aniversário ao lado das pessoas que amo. Foi um dia especial. Muitas coisas legais acontecendo, muita gente especial ligando, muito email, torpedo, scrap, isso é bacana. Dá um up na gente. Meus amigos-irmaõs(ãs) você são tudo para mim. Blue, já não sei onde eu acabo e você começa em minha vida. No works.
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Final do dia, fomos na Dona Carmela, aquele lugar é muito bom, e muito aconchegante. Ótimo para conversar, ótimo cardápio, pessoas incríveis nos servindo. Parabéns, galera.
Pena não poder apreciar a bela carta de vinhos que lá nos há a disposição... ...remédios, remédios... ...
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Mas no meio de tanta coisa boa neste 10 de abril uma coisa ruim tinha que aparecer, mesmo que não fosse dígna de minha atenção, algo realmente para se encarar com desvalor. Descobri que uma pessoa que começava a confiar na web estava vasculhando, feito rato, meu pc. Tinha instalado via mensagem um arquivo malicioso e graças a este conseguia se esgueirar pelas pastas de meu computador como uma barata faz pelos cantos escuros das casas.
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A web tem dessa, de melhor e pior; podemos encontrar pessoas incríveis e que nos acrescentam e também pessoas sórdidas e escorregadias, que nos subtraem, que nos lesam se valendo da atenção e abertura que as damos, aparentemente inofensiva.
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Já encontrei outras baratas como esta, mas encontrei muito mais amigos incríveis que estão e estarão sempre no meu coração e nas minhas preces. Para vocês, todo meu respeito e carinho, jamais os esquecerei. Sempre os valorizarei.
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Para todos que sempre me dispensam carinho e respeito, meu sincero "Muito Obrigado".
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Toque para nós: Amizade Sincera - Renato Teixeira

25 março 2010

Semaninha.... já foi

domingo, saí para tomar uma grapette, mas no insucesso (previsível) passei na sorveteria da padaria Bella paulista, tradição da Haddock Lobo,... hhmmm... delícia aqueles gelados especiais.
Precisava oxigenar as idéias, respirar um pouco.
Sorvetes, conversas, bobagens, novos pensamentos e insPirações, is good.
Depois de um bom e agradável tempo sentado nos bancos laterias da Bella Paulista caminhei para continuar meu dia.
Levar a minha Moira gata ao veterinário para retirar pontos da esterilização.

segunda, me encontrei com alguns velhos amigos. Para manter nosso velho (e enferrujado) espírito subversivo combinamos de tomar um capuccino com bolachas (de graça) no desjejum do laboratório Belboni Ariemo. Mais bobagens, mais ladainhas...

terça, correria total para seguir cronograma do novo jornal A Gazeta Verde que sai impresso já em abril, muuuito por fazer. Diagramações, matérias, anunciantes, patrocinadores...
Aguentar o vizinho escutar seu forró em todo volume no meu ouvido. Por que será que todo mundo que gosta de ouvir "música" no talo só aprecia música tranqueira?


quarta, dor no pé da coluna (coisa de véio), e eu andando torto o resto do dia.
Desenhar gráficos e ilustrações para enciclopédia de ciências (isso eu gosto). Mas desenhar com dor na coluna não é nada interessante.
Passagem à noite pela Livraria Cultura, meu Playcenter.

quinta, mais correria para executar ilustrações da enciclopédia e roteirizar histórias para revista infantil. Acho que esses editores imaginam que nós artistas somos máquininhas de criar. É só apertar o botão e inicia-se a produção artística, como sê pastelaria. Bem, Eder, deixa de reclamar.


sexta, ... ... .... eu quero a minha Grapette.

12 março 2010

Glauco, amigo meu, que os Deuses de Valhala te recebam de braços abertos.

Diário de Bordo,
hoje é dia 12 de Março de 2010
e ainda navega em minha mente o sentimento de incredulidade.
Faz algumas horas recebi uma ligação de um amigo meu editor que me fez estremecer. Nosso amigo em comum havia sido assassinado juntamente com seu filho neste dia.
Glauco Villas-Boas, nosso querido e retardado amigo cartunista estava morto. Fora assassinado por patifes na madrugada de hoje.
Glauco e eu haviamos trabalhado juntos na mesma editora no início dos anos 90, na editora Circo. Eu em início de carreira e ele já consagrado cartunista premiado. Aprendi muito com ele, Laerte e Angeli. Todos sempre estavam por lá. Editavam suas revistas mesais pela Circo. Eu era um ilustrador e redator de revistas em quadrinhos de terror e eróticas com poucos anos de estrada.
Atualmente nos esbarrávamos vez por outra em eventos de HQ e livrarias.
Cara, não dá para crer. Uma vida criativa se vai por meros tostões para comprar pedrinhas dessa droga do capeta.
Já estou lutando contra essa bendita depressão que me abraçou após o falecimento de meu pai mês passado. Agora essa.
São dias difícieis, dolorodos. Que os Deuses confortem sua esposa, filhos e familia.

16 fevereiro 2010

Alexandre e seu companheiro Bucéfalo

Muito, muito calor nas terras de Piratininga. Saudades de ti, Sampa veritas, minha terra da garôa. Para suportar esse Kalahari somente com um bom dry martini bem gelado a cada, digamos, 5 minutos.

Dia desses em passagem pelo Centro Cultural São Paulo para ver a exposição Quadrinhos Marginal - 40 anos o inusitado aconteceu, para variar, em meu caminho. E como não poderia deixar de ser, um gato permeou o ocorrido.
Sentado estava eu no Graffiti, restaurante do CCSP, degustando avidamente (leia-se devorando) meu fast-food ao mesmo tempo que lia um fascinante Austregésilo de Ataíde quando, de relance vi uma pessoa puxar conversa com o homem da mesa ao lado: - Boa tarde, poderia o senhor oferecer algo para mim e meu gato? - muito educadamente solicitou um andarilho. - Vá à m... seu vagabundo. Procura o que fazer, seu lixo, que não vai precisar me torrar o saco pedindo nada! - Escoiceou o cidadão sentado a mesa.

Pensei comigo: - Bastava um sincero "não".
Olhei o gato que o senhor tinha no colo, um tigrado belo e bem robusto, autivo e com ares de aristocrata, como todo gato deve ser. Respirei fundo e fechei os olhos para não me envolver num inútil bate-boca com um ser de espírito endurecido. Neste instante ouço o andarilho balbucear - Sors immanis et inanis - como? eu ouvi isso? o "vagabundo" soltou um latim mais que apropriado para seu momento desafortunado? (Sors immanis et inanis - Destino monstruoso e vazio) Levantei a cabeça e olhei para ele, que já estava saindo de lado. Falei: Dum vita est, spes est (Enquanto houver vida, há esperança) e convidei-o a sentar a minha mesa. Ele sorriu e com um balançar de cabeça elegante aceitou e sentou-se, ele e seu belo felino.

Pedi um salgado para o nobre vagabundo com café e um copo de leite para o bichano. Percebi que os garçons não gostaram da minha atitude mas para mim pouco me importou. Me apresentei e perguntei seu nome - Alexandre - ele disse. - E o bichano? - perguntei. - Bucéfalo - respondeu.
Sim. Nada mais apropriado que Bucéfalo para o companheiro de Alexandre. Percebía-se que o andarilho tinha alguma bagagem literária. Comeram cada um suas refeições enquanto eu prosseguia em minha leitura.

-Quer mais alguma coisa? - perguntei ao acabarem.
-uma chave de um cofre de banco, que tal? - sorrindo.
-Ab amicis honesta petamus (Só devemos pedir aos amigos coisas honestas) - respondi somente para ver sua reação.
Ele sorriu e desferiu - Homo hominis lupus (O homem é o lobo do homem) - e completou - A gente quer ser legal, mas a vida teima em tentar tirar da gente o que não presta.
-Sim, eu compreendo e concordo - disse-lhe.
E ele - A fronte praecipitium a tergo lupi (À frente, o precipício, às costas, os lobos.) - já se levantando.
Sorri pela resposta, adorei o bate-bola em latim, engalanou meu início de tarde, e justo com um improvável morador de rua, o inesperado acontecendo. Pensei ainda em perguntar como sabia latim, se teve uma educação em algum tradicional colégio de padres, ou quem sabe um professor universitário, por dado motivo, fracasssado; ou ainda quem sabe simplesmente achara um livro de sentenças em latim em algum latão de lixo. Não quis quebrar o momento e me calei, somente recebi seu agradecimento.

Ao se levantar Alexandre o tigrado pulou de seu colo, caminhou pela mesa maciamente, como todo gato deve caminhar, e roçou sua cabeça em meu braço. Vindo de um felino sabia ser um "obrigado" mais que sincero. E isso me completou o dia. Fiz um afago em Bucéfalo e deixei-o voltar para seu porto-seguro.
Ao saírem o cretino da mesa ao lado pronunciou, desta vez educadamente: - Era latim o que vocês estavam falando?
Observando todo aquele verniz e doçura direcionados a mim, vindo de alguém que a poucos instantes demonstrou tamanha rudeza com o desfavorecido, respondi: - Acta simulata substantiam veritatis mutare non possunt (Os atos simulados não podem mudar a substância da verdade.).
Ele retrucou: - desculpe-me, como?
-Sim, era latim. - confirmei, presenteando-lhe com um cínico sorriso.
-Nossa, que doidera. - revelando surpresa e confusão mental. - Detestava aulas de francês na escola. Imagina latim? - disse-me com cara de nojinho. E completou - Só aprendo o que me serve, e olhe lá.
-Docem velle summs est eruditio (numa tradução livre: o simples fato de buscar o conhecimento é a maior das sabedorias). - Sorrindo pra ele disse, preservando meu cinismo.
-Pra mim isso é marciano. - falou-me.
-Eu tenho certeza disso, colega. - Falei, já fechando minha conta e me despedindo do típico presunçoso ignorante.

Não saber de algo não é demérito, mas fazer pouco caso do conhecimento, tal como raposa diante das distantes uvas, é imbecilidade.
Voltei para casa com a impressão verdadeira de que a cada momento, em cada curva e esquina você pode se surpeender, e isso é o encanto da vida.
Atenção aos pequenos brilhantes que a vida oferece em nossa caminhada. São com eles que confeccionaremos o colar brilhante de nossa história.

aliena optimum frui insania (aprenda com o erro dos outros ou, traduzindo mais viceralmente, é bom aproveitar a loucura dos outros)
Fotos: as imagens do CCSP foram devidamente surrupiadas da web; sorry, mas não localizei os créditos das mesmas.

Musica de Fundo: Era - Hymne

13 fevereiro 2010

Algum dia, nas bibliotecas do Universo...

Sabe quando você mergulha em um lago profundo e gelado, e vai descendo vagarosamente para o escuro das águas? Sabe quando seu corpo desobedece e estanca em estranha letargia, em involuntária e desesperada paralisia motora e mental?
Vê a luz da superfície pouco a pouca rarear aos seus olhos, que indiferentes ao turbilhão que agita seu coração foca no vazio do desencato?

E esse mergulho, independente do tique-taque do relógio, parece-lhe demorar um outono inteiro? Sim, parece, não é mesmo?

Mas invariavelmente por um instinto de sobrevivência irracional, animal, que rompe a tecnicialidade, ele, seu corpo, dá um tranco, clama por oxigêncio, pelo fôlego da vida. E num impulso insano você sobe para a superfície. E o primeiro inspirar é ruidoso, grutal, feio mesmo. É a vida gritando revolta pelo movimento. Pelo movimento que é inerente a tudo que faz parte do universo, cada galáxia, cada sistema solar, cada planeta, asteróide, meteorito, poeira estelar se move, se expande e comprime insessantemente. E cada átomo, molécula, corpo ou pedra que se recusa a esse pulsar é sumariamente colocado a movimento ou sentenciado à eliminação, transformação e revida em movimento.


Pai, seu desencarne tão sentido e dolorido me fez submergir num lago gelado, mas sei que não gostarias de me assistir, de onde estiver, mergulhar no abismo do desencanto. Seguirei adiante, mais forte, mais intenso, mais verdadeiro a cada passo. E ao fim, quando finalmente nos reencontrarmos numa outra plaga, o abraçarei certo de seu orgulho pela tarefa cumprida de maneira edificante por seu filho.


Mi padre, mi amigo, sempre estarás em meu peito.
Nosso amor nos levará ao reencontro.
Nos veremos novamente nas bibliotecas do universo,
algum dia.
Toque mais uma vez, please: A Paz - Zizzi Possi

24 dezembro 2009

Only


Ele olha no espelho,
olha mas não vê seu reflexo.
Vislumbra tão somente cicatrizes d'alma.
Reflete medo e solidão
A solidão dos que buscam,
dos que ousam,
dos que à desobediência se atrevem .
.
E em se atrevendo ele machuca
a quem dele se aproxima,
não se faz compreender em seus afãs,
em seus atos,
em seus gritos surdos,
Sua face é silenciosa,
mas seu peito turbilhão.
.
o espelho é escuro e frio,
como noite de nevasca,
ele vem de longe,
das terras dos mouros,
atravessou os mares,
com seu lume vermelho transparente
no auge de sua cabeça.
.
Muitos o procuraram,
mas ele habilmente escapou
de suas mãos cobiçosas,
de vossos corações envelhecidos
e afogados em ódio e ressentimentos.
.
Ele olha o espelho,
frio e escuro,
e só vê solidão.
Seu reflexo não mais está lá.
Ele nada entende
e nada vê
além de solidão.
Mas sua busca persiste,
pois só assim ele justifica
sua continuidade.
Eder
.
Nestas noites quentes de verão, Ôbèron caminha para dentro do Mausoléu, onde é escuro e frio. Ele, animal felino das neves, das montanhas escarpadas, não tolera o calor. Perde o humor, a sociablilidade, a razão.
Nestas noites quentes não se aproxime dele. A menos que tenha uma garrafa de cerveja bem gelada em mãos, ou quem sabe um drink generosamente carregado de pedras de gelo.
Nestas noites quentes e carregadas de cumprimentos hipócritas natalinos ele se faz não-domesticado, e essas pessoas que andam indiferentes o ano inteiro, incautas que são, irão até o Mausoléu para tentarem oferecerem um abraço falsificado, um comprimento fabricado, retirado dos comerciais natalinos da Sadia.
Incautos que são. Não sairão do Mausoléu sem que suas costas sejam devidamente retalhadas em postas pelas garras do animal das neves.

Toque para mim, Sam: Diamanda Gallas - Gloomy Sunday

13 dezembro 2009

Rubio - Parte I - Moderato

Tem acontecimentos distintos e distantes que inacreditavelmente têm uma ligação invisível, trançando uma sutil teia de aranha e que até o último ato não nos apercebemos de tal entrelace, tal conjuminação...
(Ôbèron / out 2005)

Rubio
Parte I - Moderato

Continua Chovendo por aqui.
Já são três dias de águas em Sampa,
para um gato de rua como eu tempos assim não são nada fáceis.
Frio, chuva, medo e fome. Sinto saudades daqueles tempos.
Bons tempos.
Tempos de carinho e calor.
.
Em dias molhados como esse nem minhas felinas eu encontro nos telhados.
que os Deuses da chuva se recolham para seu retiro. Façam a Roda do Ano girar,
cadê o respeitos às estações?
.
Está tocando na casa em frente uma melodia que meu amigo humano
gostava, acho que ele falava algo como I Pagliaccio,
sempre ouvia comigo no colo,
ele tinha gostos apurados.
Sim, eram tempos bons.
Onde está você, meu caro, pr'onde foste?
Alías, como EU vim parar aqui?
foi tudo tão rápido.
.
Tudo era tão bom e tão seguro,
hoje é de beco em beco,
buraco em buraco,
vivendo de restos.
Sobrevivendo,
subvivendo.

Agora toca Ridi, Pagliaccio,
era a parte que ele mais gostava,
será que ele está lá? será que dentro da sala
daquela casa se encontra meu reencontro mais esperado?
não custa! são somente uma bela corrida,
alguns pulos e esgueirões,
meu pêlo vai encharcar de novo, mas valeria a pena,
se esta etérea ilusão se revelasse concreta realidade...
.
Mas e aqueles humanos jovens que ainda a pouco
queria me machucar e ridicularizar? ainda tão perto estão,
será que conseguiria passar suficientemente rápido?
como um corisco!
sim, como um corisco.
.
Veja, eu com o medo imperando de novo,
será que minha vida se reduzirá ao medo diário?
chorando como o Arlequim que agora trova
não tão longe?
mas meu amado humano pode estar a algumas
jardas desse meu trono de pavor, fome e feiura.
valeria a pena, cada risco, todos eles.
.
Continua.

Ouça: Ridi, Pagliaccio - R Allagna

04 dezembro 2009

Deep Songs


Hoje cantei uma daquelas músicas que fazem sentido só pra gente. Que só lembramos ou cantamos quando algo acontece que faz uma conexão exata e direta com o momento, que arranca lá de dentro um sentimento ou uma lembrança diferenciada, sabe?
Pois bem, cantei.
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Sabe, o contentamento e a felicidade deveria ter um endereço, tipo um pub, um bar, onde a gente entrasse lá, deixasse nossas dores e cicatrizes na chapelaria como se deixa um casaco e sentasse na cadeira, já mais leve, e pedisse um momento feliz como se pedisse um metropolitan. Não, não estou falando de entorpecentes.
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Sabe, eu não entendo, as pessoas falam para os outros e para si mesmos que buscam ser felizes que querem paz e amorosidade, mas o que se vê são pessoas se magoando, extraindo de si o de pior e mais contundente. Ferindo a vários e desferindo em muitos.
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Não precisava de muito para se mudar tudo a nossa volta. Se cada um contesse um pouquinho sua sanha de machucar para se sentir com algum poder e a vida coletiva seria outra, tão melhor. E isso se faria com tão poucas atitudes. Mas o que parece é que para tão pouco ato se precisa de tamanha força inteiror, como se todos estivessem presos e acorrentados aos seus sofrimentos pessoais, suas furiazinhas, seus não-me-toques, seus tesourinhos de dor que as fazem sentir vivas, pessoas diferenciadas (pela tristeza).
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Ontem eu fiquei um pouco olhando o céu na madrugada, (talvez na esperança inconsciente de ver uma bela estrela cadente em fazer um pedido especial) estava bonito, com nuvens nervosas, correndo ligeiras e se contorcendo no céu; encobrindo e revelando a lua a todo momento. Me encanta.
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Outra,
A gente tem que ficar quieto, não pode falar muito verdadeiramente com as pessoas, elas não estão preparadas para as palavras genuínas.
É, seu sei, assusta.
A gente tem de sempre tem de estar falando coisas que elas querem ouvir, de preferência de maneira bem soft e blasé, ficar dando tampinhas nas costas e dizendo "sim, é isso mesmo, fez bem" ou "concordo" ou ainda "se fosse eu, tinha feito igual" ou ainda quem sabe "nossa, que bonito isso que você fez" e etc.
A verdade dita, ainda quando normal e bela, assusta. São momentos bicudos estes, baby.
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Bem, meu caro, prepare os dedos, é mais uma coleção a escrever,
corre que o tempo é curto.
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Sam, toque outra vez: